Texto
à disposição das possíveis correções, adendos, ponderações, notas, observações
entre outras contribuições que possam enriquecer o teor da discussão suscitada.
“Dia a dia nega-se às crianças o direito de ser crianças. Os fatos, que
zombam desse direito, ostentam seus ensinamentos na vida cotidiana. O mundo
trata os meninos ricos como se fossem dinheiros, para que se acostumem a atuar
com o dinheiro atual. O mundo trata os meninos pobres como se fossem lixo, para
que se transformem em lixo. E os do meio, os que não são ricos nem pobres,
conserva-os atados à mesa do televisor, para que aceitem desde cedo como
destino, a vida aprisionada. Muita magia e muita sorte têm as crianças que
conseguem ser crianças.”
Eduardo Galeano “A Escola do Mundo às Avessas”
Para pensar a escola
pública ora difusa, porém, difundida e definida em um mercado inspirado na
velha concepção da sociedade capitalista nos encontramos em uma encruzilhada
ideológica onde confundem até mesmos os mais “progressistas” educadores do
discurso sobre a educação no Brasil.
Termos como “fator
para a formação do país”, “produção de cidadania”, “ascensão
social”, “escola de paz” ou não violência (criada pelo próprio
Estado), “educação para o trabalho”, etc. são utilizados hoje para criar
consenso e justificar ações “administrativas” de dominação social, mas jamais
para pensar a escola como consequência das lutas e conquistas da classe
trabalhadora.
Fruto do
discurso reacionário e do discurso “progressista” cuja crença nas reformas
aponta saídas para mudança social que impedem sistematicamente, o pensar
crítico dos sujeitos envolvidos no processo educativo para uma transformação
radical da sociedade.
Uma professora
baseada em seus anos de magistério disse: “quando o estado quer incutir suas
ideias seus projetos na grande massa utilizam-se da escola, vi isso em todos os
governos, mandavam fazer isso, mandavam fazer aqui”. A sua descoberta,
traz à tona a função da escola como mecanismo para controle e manipulação das
massas.
Na história do Brasil, tal
observação já podia ser constatada pelo corporativismo da relação de trabalho
com o Estado Novo. Ladraram os “cães de Getúlio” sem ler e escrever; até o
autoritarismo do Governo Militar cuja organização coletiva da escola estava
baseada no interesse pelo trabalho e a reorganização do mesmo. Vale destacar o
modelo da escola industrial, iniciada na década de 20, incorporada ao ideal
liberal do Governo Vargas, a partir da década de 40, com o trabalho produtivo e
os sistemas de ensino voltados para a indústria. Senai, Senac, Senar, Sest, Sebrae (juntos
vão forma o sistema “S”) e redes de escolas técnicas federais em contexto de
expansão do capital monopolista irão permanecer no poder burocrático, nas
diretrizes empresariais e na abundância de recursos junto ao ministério do
trabalho e da educação.
A essa lógica
de dominação, “desfigura-se o profissional da educação”, sem identidade com a
massa que se torna objeto de um depósito chamado escola. Neste sentido esta
escola se apresentará como um paliativo fundamental para tapar a ferida
produzida pela manutenção das desigualdades sociais e econômicas. Vê-se aberta
as suas portas para o mundo do trabalho. Assim, instituía-se a escola como um
espaço que contribuiria para a integração econômica formando a força de
trabalho que seria absorvida pelo mercado (mesmo que não dando conta desta
absorção).
Certo autor, ao
analisar a luta de classe na França dizia: “que os homens fazem sua própria
história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua
escolha e sim sob aquela com que se defrontam diretamente, ligadas e
transmitidas pelo passado...”
Com a reestruturação
do capitalismo, reestruturação produtiva e social, sobretudo a partir da década
de 90, para pensar a educação no atendimento das necessidades do mercado de
trabalho e a lógica empresarial. Desfiguram-se os fundamentos remodelados
de acordos firmados no governo de ditadura militar, MEC-USAID (Agência
Internacional de Desenvolvimentos dos Estados Unidos), que atuava diretamente
em todos os níveis de ensino, na administração, planejamento, estrutura
curricular e seus conteúdos, contratação de pessoal, controle de publicações e
na distribuição de livros. Deste modo, as reformas educacionais da ditadura
foram orientadas, sobretudo por esses acordos. Na alfabetização, por
exemplo, o método crítico que seria implantado pelo PNA (Plano
Nacional de Desenvolvimento) é suplantado pela CRUZADA ABC (ação básica cristã)
e pelo MOBRAL (movimento brasileiro de alfabetização) para combater as ações
das Ligas Camponesas e outras organizações de base.
A LDB (lei de
diretrizes e bases), aprovada em 1996, avança na concepção legal da educação,
aumenta-se o número de matrículas (por pressão do capital interno e externo) e
flexibiliza os espaços para a formação profissional na qualificação para o
trabalho.
Este aspecto ganhou visibilidade
no governo FHC, onde se difundiu a ideologia do “fim das classes sociais” e o
recorporativismo: trabalhadores agora participam e colaboram com as empresas.
Pensar em reestruturação do capital sem a reestruturação de sua própria
concepção é inconcebível. É neste sentido que, gradativamente, há o
esvaziamento de qualquer espaço de reflexão na escola que transforma a
consciência dos sujeitos nela envolvidos.
O currículo sempre
revisto à luz do mercado, retirando qualquer metodologia que possa pensar a
realidade da massa ou que faça refletir os problemas estruturais gerados por
este sistema, diga-se o problema da terra, o inchamento das periferias das
grandes cidades, o desemprego sem proteção social, fome (miséria), o abandono,
o trabalho infantil e a violência, e a retirada de serviços, produto das
conquistas sociais (saúde, educação, saneamento).
A formação
profissional significa aumentar a produtividade do trabalho, a qualidade e a
competitividade dos produtos, gerar riquezas. Contudo a esta concepção dois
fatores podemos destacar: primeiro, a concepção educacional não consegue
acompanhar ou inserir-se dentro do modelo de produção toyotista, onde não se
aplicaria ao Brasil, visto que as orientações do modelo de produção na escola
ainda estão inseridas dentro de uma visão taylorista-fordista, tendo em vista o
baixo desempenho da formação da classe trabalhadora. Inclui-se a isto a
distância cultural da classe de trabalhadores semi-analfabeta perante as
exigências cognitivas postas pelas transformações de produção.
O taylorismo
corresponde ao método de organização do trabalho que eliminou o tempo perdido e
o aumento da produção reduzindo o trabalho humano a gestos repetitivo, sem
permitir ao trabalhador desenvolver habilidades criativas. O mesmo se
verificará com o fordismo, com o sistema de linhas de montagens que mudará o
modo de produzir e a expansão aos mercados, ao incorporar a produção em série à
indústria automobilística. O modelo toyotista, por sua vez, trata-se de
um modelo flexível de produção, em que o operário é qualificado permanentemente
para desempenhar diversas funções no processo produtivo. Este modelo
desenvolveu-se nas fábricas japonesas a partir da 2º Guerra Mundial com o
desenvolvimento urbano-industrial que se consolidará como período
técnico-científico após década de 70. A informatização do processo
produtivo vai apontar a novos ritmos da produção industrial, as demandas do mercado,
diminuindo a estocagem de matéria-prima e de produtos.
Segundo, a formação
da nova demanda de mão-de-obra coloca-se dentro de uma “qualidade da educação
escolar”, juntamente com a dos processos de “qualificação e requalificação da
força de trabalho”. Deste modo percebe-se que é na base da formação geral da
classe trabalhadora, base da educação formal, que tem sido pensado este novo
“profissional” apto a novos modelos de produção, subordinados à lógica do
mercado e do capital. Considerando isto, podemos perceber como se apresenta as
diversas instituições tecnológicas na formação/preparação deste trabalhador.
O sistema “S”
repensado sob a luz da política internacional continuará sua atuação de acordo
como o estágio ou classificação dada ao trabalhador, por exemplo, o Senai cuidará
de se aproximar da preparação do trabalhador polivalente, que se encontra nos
primeiros estágios da formação básica: formará o trabalhador operacional.
Enquanto outras, junto às escolas técnicas, a um segundo nível, à formação de
técnicos com aprendizagem dos fundamentos e conceitos do processo produtivo.
A reestruturação e
expansão do ensino médio, por exemplo, acompanha e confirma as políticas dessa reforma do
ensino. O “novo” currículo aponta para a inserção da vida
econômico-produtiva. Apontando a este caminho as redes de ensino estaduais
do país que detém hoje mais de 85% das matrículas do ensino médio.
Os rumos atuais desse
processo acompanham a reforma educacional instituída pelo Governo Federal na
gestão FHC, cujas orientações de instituições financeiras vêm indicando uma
série de medidas para o setor, sobretudo, os indicativos de privatização do
ensino superior. A iniciativa privada é representada por 70% dessas
instituições no Brasil.
Embora nas últimas décadas, tenha
se ampliado o acesso à educação básica, que antes era privilégio de uma minoria
e passou a ser direito da maioria. A formação dessa maioria está voltada para a
escolha da minoria e restrita a concepção e compreensão de mundo calcada na
ótica do mercado e inspirada no modelo de produção. Não há lugar para o ser
humano; nem este é o centro do processo de educação. Somado a isto vale
ressaltar que o acesso à escola não garante melhores condições de vida a
população pobre, sobretudo porque não há crescimento de emprego e sim aumento
de mão-de-obra disponível. Cursos de educação
profissional, voltado para qualificação (maior parte da iniciativa privada) vêm
aumentando gradativamente, como apontou este ano o IBGE, na pesquisa de
amostragem de 2007, onde em cursos de qualificação profissional obteve maior
êxito na permanência dos alunos, foram 89,8%, em contraste com a Educação de
Jovens e Adultos (não tão valorizados pelos sistemas de ensino) com 57,3%.
Nesta lógica, podemos
dizer que instituições privadas já vêm ditando os rumos da educação, seja no
ensino superior, com as fundações privadas, com flexibilização das concessões
de certificação do MEC. Seja no Ensino Médio e Fundamental, sobretudo, do
sistema público, onde estados ou municípios vão passando a administração para o
setor privado. No interior de São Paulo são sete municípios onde a gestão
da escola pública pertence a iniciativa privada, entre outras parcerias com a
iniciativa privada somam 25% dos municípios em São Paulo(dados da Prova Brasil,
exame do Ministério da Educação, Revista Veja). Já na Rede de
Ensino Estadual de São Paulo o caminho é feito em direção a flexibilização na
contratação de professores, com política de bônus, estreitamento do currículo
do ensino médio pautado na concepção tecnicista/empresarial e direcionamento do
conteúdo para as disciplinas e apoiada por acordos com a Fundação Victor
Civita, cuja orientação ideologia é norteada pelas publicações do Grupo Abril
que passaram a ser “livro” didático do terceiro ano do ensino médio. Os mesmos
passos vão sendo dados na Rede de Ensino do Estado do Rio de Janeiro e em sua Capital,
onde também permanece a política de Bônus, parcerias com iniciativa privada, a
flexibilização na contratação, ONGs, e o intento de repassar gestão do ensino
do Ensino Médio para a Fundação Roberto Marinho e do Ensino Fundamental para a
Fundação Ayrton Senna.
Até aqui,
compreendemos que a educação apresentada se processa no conflito ideológico e
no futuro inexistente do mercado de trabalho. O que não é difícil entender,
pois esta educação, apenas representa um momento da situação econômica e do
modo de produção existente.
O que é a
escola? A quem serve? Como funciona? E para quê funciona? São indagações que
nos permitem entender onde estamos. Qual a concepção de escola que
necessitamos para construção do processo revolucionário? Que caminho seguir?
Que fazer? Estas nos permitem caminhar.
F.S.S.