sexta-feira, 3 de abril de 2015

Afinal de contas, o que é Pedagogia?

Há algum tempo estamos pensando nestes apontamentos, Contudo somente agora resolvemos verbalizá-los e constituir em um texto, que tem como objetivo principal estabelecer um canal de diálogo com o conjunto de seus leitores.
Portanto, as reflexões abaixo não podem ser vistas como prontas ou acabadas, são


 meras considerações que expomos para serem agregadas, suprimidas, ou até mesmo a concordadas em sua essência. Enfim, o propósito é pensarmos coletivamente sobre este tema, tem tomado um grande corpo na atual conjuntura.
      É neste contexto de incerteza social e de sucateamento da educação pública que uma intensa produção no campo educacional tem sido engendrada, inúmeros são os textos, artigos, colunas, publicações impressas especializadas, programações em rádio difusão e audiovisual, voltadas, exclusivamente a temática educacional. É neste sentido que a Educação tem sido apontada, para muitos, como o pilar central e tábua de salvação do país e não foi por acaso que a atual Presidente reeleita, elegeu como a base para seu segundo mandato o termo “Pátria Educadora”.
      Sendo assim, de qual “educação” estamos falando? A quem ela interessa? A quem ela a tende? Quais os métodos e práticas educacionais em vigor? Enfim, a quantas anda a Pedagogia e o seu projeto político?
      Pois bem, aqui residem algumas inquietações que acreditamos ser de suma importância para pensar uma educação para além das relações capitalistas e que tentaremos abordar a partir de agora.

Afinal de contas, o que é Pedagogia?

      Historicamente atribui-se o papel do pedagogo a Escola, embora na antiguidade, este espaço de atuação não era tão bem definido. Atualmente o campo da Pedagogia se ocupa além do magistério, a supervisão e orientação, além da administração escolar.
      Contudo, o seu signo se origina na “Paedéia”, na Grécia Antiga. Os “paedagogos” eram os responsáveis pelo compromisso de educar. O pensamento educacional grego “Paedéia” era “cuidar dos meninos”, ou seja, educar de acordo com os hábitos, valores e costumes da cultura e da organização social grega.
      Na Idade Média (400 DC - 1400DC) a Igreja Católica exercia o monopólio do saber e do conhecimento.  São os territórios clericais, sinônimos de escola e os clérigos, os pedagogos.
      Com o surgimento do Renascimento e a valorização da cidade, arte e da vida em sociedade, traz novos contornos à vida pública. No entanto é a partir da concepção iluminista, do racionalismo como superação da metafísica e do domínio religioso sobre o pensar, que se inicia uma nova era, a separação entre a Igreja e o Estado.
      O desenvolvimento da técnica e da ciência tem seu pontapé inicial nas Revoluções Burguesas, especialmente a Francesa e a Industrial no século XVIII e XIX.
Portanto a Escola se torna laica, desvencilhada da Igreja (clero), tornando-se compromisso do Estado e da sociedade.
      Todavia cabe aqui ressaltar que as sociedades ditas como primitivas, também produziam ciência e tinham através dos experimentos da troca e da socialização uma base social, muito bem fundamentada a ponto de sobreviverem a um tempo muito hostil.
      No entanto, é no período burguês que a escola moderna, demarcado pelo capital, que o pedagogo toma contornos de ser o principal responsável pelo processo de condução pedagógica, cabendo a si a responsabilidade sobre o magistério, acompanhamento dos educandos e aprendizes, a administração de material, o planejamento e a direção da Instituição Escolar.

E nós aqui, como estamos?

      No Brasil das décadas de 40 e 50, Era Vargas, em pleno processo de industrialização e urbanização urge a exigência do próprio capital de ampliar o acesso das massas populares e periféricas a educação básica com o intuito de qualificar a mão de obra para o mercado de trabalho industrial e urbano. Com o expansionismo do capital, a teoria do capital humano toma força, onde o processo educativo passa a ser conduzido pelo Estado e pelo mercado onde a educação é vista e compreendida como uma mercadoria a ser consumida.
      Entretanto, se a partir da segunda metade do século XX, em pleno Estado Nacional desenvolvimentista, a educação começa a tomar contornos estratégicos, onde destaca-se a sua preponderância no cenário mundial, ainda assim, é conduzida com extremo controle, já que secularmente as primeiras letras na iniciação escolar era circunscrita tão somente a classe dominante de caráter aristocrático colonial. Não é por acaso o alto índice de  analfabetismo no Brasil em pleno século XX e que persiste até os dias de hoje, mesmo maquiado no analfabetismo funcional.
      O fato é que com a necessidade de universalização da educação básica com o mote de preparar serviçais que venham atender as novas demandas do capital industrial, buscou uma rápida qualificação, onde o seu principal objetivo é individualizar, tornar competitivo, calcado no mérito e, por conseguinte, sujeitos aptos a novas diretrizes da modernidade.
Porém, com a ascensão do Golpe Civil Militar de 64 de cunho fascista, um novo odenamento educacional, agora direcionado pelo MEC-Zaid, onde os interesses do grande capital Estado Unidense será privilegiado. Longos 25 anos de obscurantismos, torturas, assassinatos, desaparecimentos, prisões, enfim, períodos estes que nos deixaram marcas e sequelas profundas, jogados no mais profundo atraso e subserviência. O campo educacional foi duramente castigado e observado de perto, estudos no campo da Sociologia e Filosofia foram retirados do cronograma curricular, os estudos de História e Geografia eram direcionados em detrimento ao culto nacional, bandeira e hino, entre outros simbolismos nacionais, nada mais positivistas do que a consigna da Bandeira Nacional – Ordem e Progresso – porém esqueceram de dizer “para quem?” Não é verdade? Isso sem contar com a Apologia do sistema através de conteúdos como EPB (Estudos Políticos Brasileiros) e OSPB (Organização Social Política Brasileira).
      No entanto, com a derrocada dos golpistas pós o longo acordo pela redemocratização do país e por conseguinte a ascensão do projeto neoliberal a qual suas políticas tomaram corpo mundialmente. O desmonte dos serviços públicos em detrimento das privatizações e desemprego estrutural, fruto da precarização e das novas tecnologias no mundo trabalho, as terceirizações e como pano de fundo é vendida a ideia de que a educação assume o papel de salvação para os despossuídos. Como bem retrata o slogam do famigerado “ Amigos da Escola” da Fundação Roberto Marinho: “Educação é tudo”. É mesmo? – Será? Todavia ignoram que a Educação desassociada dos demais serviços básicos e essenciais na construção da dignidade humana não é nada. Portanto, diferentemente do que a burguesia propaga, o acesso à saúde, moradia, alimentação, transporte, enfim, a vida enquanto preceito básico e elementar é essencial ao pleno desenvolvimento social e cognitivo, todavia direito este negado a bilhões de seres humanos mundialmente.
      É neste contexto, de uma educação pública combalida que se avança a consolidação das OS (Organizações Sociais) de modo paulatino a lógica do capital e do mercado vão “tomando de assalto” o sistema educacional, voltado claramente para o ensino técnico e formação de mão de obra barata.
      Recai sobre os trabalhadores a pouca qualificação técnica e baixa escolarização, propagando assim a ideia da empregabilidade que empurra sobre o proletariado a ideologia de fracasso culpabilizando pela sua trajetória educacional e profissional. Como se o contexto histórico, político e econômico não exercesse influência na vida escolar.
      A ótica empresarial se constitui na pedagogia do capital configurada na lógica da reprodução do engessamento da domesticação, do adestramento, da lucratividade e por fim de um ser incapaz de pensar e interpretar  o mundo, porém sinônimo de um mero consumidor.
      É esta a visão que permeia no sistema educacional vigente, onde o educando é agregado a um determinado valor pelo conhecimento adquirido a este conceito que denominamos capital humano.

E a Pedagogia, onde está?

      Paira sobre a Pedagogia, um conjunto de conceitos que tem como objetivo principal minimizar o seu papel e importância, atribuindo assim uma visão secundária no campo educacional. Não é por acaso que se propaga uma leitura sobre o pedagogo, enquanto um educador que impõe e condiciona métodos e práticas de ensino aos demais profissionais da educação.
      Além deste olhar distorcido sobre a Pedagogia residem outras normas que estão carregadas de preconceitos, tais como ser um curso circunscrito a mulheres o maior número de vagas no vestibular em referência às demais áreas, por não estar diretamente ligado à sala de aula, enfim, não faltam adjetivações onde o mote central está na inferiorização do curso, perante as demais ciências.
      No entanto, esta ótica que toma certo corpo, inclusive no campo acadêmico está carregada de senso comum. Entretanto a Pedagogia associada a outras ciências são de extrema preponderância, pois são interlocutores da socialização e difusão dos saberes.
      No contexto de interação e diálogo, a Pedagogia, enquanto uma ciência do campo da educação, compreende que os espaços educativos, sejam eles a sala de aula, ou qualquer outro território de interação são de inúmeras riquezas, que estão para além do cronograma conteudista imposto pela ótica tradicional.
      Sendo assim, torna-se compreensível que as Faculdades de graduação tenha em seu currículo de duas a três disciplinas, voltadas para o campo educacional, pois o quem interessa é o conteúdo a ser incutido a todos, já que o projeto promovido pelo Estado Burguês é de uniformizar e engessar a consciência de todos, alimentando assim uma visão de mundo singularizada.
      Daí deriva a Escola enquanto local pouco atrativo, chato e frio, pois ignora outros saaberes, não leva em consideração a trajetória do educando e tão pouco conhece o local a qual está situada já que o mais relevante são os saberes pré estabelecidos, o cotidiano e a vida passam a ser irrelevantes. Não é à toa que o índice de abandono escolar tem se mantido elevado (Em 2012, 24,3% era a taxa de abandono escolar, cerca de 1,6 milhão de alunos do ensino básico da rede pública. Dados do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).   Mesmo que haja uma série de políticas voltadas a atender a universalização do ensino em especial no Ensino Fundamental e em menor grau no Ensino Superior
      O sistema educacional tem se colocado em pauta pelo menos nas duas últimas décadas e meia, ora seja através de leis como na Constituição cidadã 1988, nas Leis de Diretrizes Básicas  de 1996, no PNE (Programa Nacional de Educação), nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PNCs -, no Bolsa Família, no campo do Ensino Superior o ReUni, ProUni, SiSu, além dos programas de bolsistas e por fim o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), este último com caráter de aferição.
      O fato é que os parâmetros, as leis, os programas, as normas, as medidas e as avaliações como ENEM, ENADE, Provinha Brasil, Saerj, provas e outros estados e municípios, encontram-se nos marcos do capital, haja vista que temas centrais se mantêm intocáveis, em seu cunho estratégico, como o currículo e as práticas pedagógicas.

Então, de que educação estamos falando?

      Se partirmos da premissa de que este modelo é enrijecido, parte de uma formulação já cristalizada e estática e o mais significativo consiste em reproduzir um conhecimento pronto e acabado, estabelecido por uma concepção linear e determinista de mundo. Estas consignas moldam um currículo fragmentado e equidistante das demandas populares.
      Se por sua vez esta escola é opaca e nada prazerosa, pois quem determina é o mercado e o grande capital, já que a educação é concebida enquanto uma ferramenta de perpetuação das relações de poder.
      A educação que concebemos é emancipatória e libertadora, dialoga e interage com as identidades e diferenças, o seu currículo oculto é calcado nas resistências populares, levando em consideração os processos históricos. As relações entre educador e educando não são hierárquicas e tão pouco estabelecidas pela ótica do poder.
      O conhecimento não é aferido e nem mensurado, já que as famigeradas provas e avaliações não provam nada, pois não consideram outras formas que não sejam as deterministas,  defendidas pela lógica tradicional. 
      As relações estabelecidas no cotidiano são de trocas e afeições, sendo que o mais valioso é o ser humano e não o capital.
      Os saberes são socializados e apropriados por todos, sem agregar  valor e lucro.
      Enfim, estamos retratando os múltiplos saberes que não estão presos a espaços específicos e definidos, mas sim dos saberes produzidos pela classe e que são de todos, pois é patrimônio da humanidade.

Considerações Finais

      Por fim, ainda que a ótica da educação baseada na inclusiva social e das políticas públicas tenham tomado um grande corpo e dimensão, especialmente nos organismos e coletivos que atuam nos movimentos sociais. Nós gostaríamos de pontuar que tais ações em pouco ou quase nada tocam ou mexem em questões de fundo de cunho estratégico. Haja vista que tanto o currículo, área de intensos debates políticos e filosóficos, tal qual as leituras e óticas predominantes dos métodos e práticas pedagógicas se mantêm intactos, produzindo ações conservadoras e toscas.
      Tolem a crítica e o processo de criação dos educandos, culpabilizam pelo estranhamento de uma perspectiva arcaica e endurecida pelo tempo, punem aqueles que não se encaixam e enquadram a forma, castigam aqueles que não comungam dos valores e hábitos propostos pela escola, desdenham das demais culturas e princípios que não estão associadas à visão dominante. Punem os diferentes e destroem a autoestima em nome da meritocracia.   Portanto, estes conceitos estão de pé e se proliferam, deixando sequelas e heranças. Marcas estas imaculadas.
     Com o aumento do tempo escolar na anunciada “educação integral”, o tempo é o disciplinamento do trabalho, já que a afirmativa evidenciada de que a educação é salvadora, esquece de citar as demais políticas que são essenciais ao pleno desenvolvimento humano. Pois sem as mesmas não há dignidade humana. O fato é que em tempos de “Pátria Educadora”, os pilares centrais se mantém fortes e de pé, sem que uma menção a eles sejam ditas. Enquanto isto, amplia-se a perspectiva privatista e sucateadora capitaneada pela bancada das instituições particulares de ensino.
      Tempos difíceis e duros estes, todavia, as ruas nos aguardam, e que transformemos cada logradouro em vida e corações pulsantes, repleta de lutas e sonhos. Já que pensar que a educação não pode estar desvinculada das utopias, da liberdade e do prazer.
      Sendo assim, em se tratando de adversidades, vamos à luta, pois um novo mundo nos aguarda. E que este não seja constituído em classes sociais. Portanto a Pedagogia não deve ser uma ciência neutra e tão pouco a serviço da burguesia, que vê nos educandos os seus serviçais e sim uma Pedagogia constituída nas lutas dos povos contra a opressão e tirania da Capital. 
Por José Roberto Magalhães
Pesquisador e estudioso em Educação
Fabiano Soares da Silva